20 de julho de 2013

O Homem de Aço

É tudo aquilo que você conhece, mas como nunca imaginou.

É aquela vontade sincera de colher frutas em seu quintal, com a ressalva de que não há plantas frutíferas nele. Mas se você realmente quiser experimentar o puro sabor da fruta, deve plantar a semente. E não apenas plantá-la, mas, também, mantê-la protegida de ameaças enquanto desabrocha. Você deve regá-la diariamente enquanto é testemunha de seu crescimento. E quando ela estiver erguida em seu quintal, gigante e bela, permita-se deslumbrar com o esplendor que é a beleza de uma obra concluída, porque a sua sonhada árvore está agora plantada em solo firme, pronta para lhe dar os frutos que você sonhou um dia colher.

É o recado que Nolan e Snyder deixam para a grande audiência: Plante a sua Semente.

“Clark Kent/Kal-El é um jornalista de vinte e poucos anos que se sente alienado por poderes além da imaginação. Transportado de Krypton (um planeta alienígena avançado) pata a Terra anos atrás, Clark se pergunta Por que estou aqui?. Moldado pelos valores de seus pais adotivos Martha (Diane Lane) e Jonathan Kent (Kevin Costner), Clark logo que ter super-habilidades significa tomar decisões extremamente difíceis. E quando o mundo é atacado, Clark deve se tornar o herói conhecido como Superman, não só para brilhar como o último raio de esperança, mas para proteger aqueles que ama.”

Como a flecha que acerta o centro do alvo, fazer de Kripton uma mitologia foi o tiro perfeito e garantiu um diferencial ao gênero cinematográfico por tratar os acontecimentos com cuidado, paixão e sinceridade. Funcionando como um organismo independente, o planeta oferece trunfos a narrativa que os roteiristas souberam explorar com infalível habilidade. Em O Homem de Aço, Kripton deixou de ser um universo desconhecido e se tornou a coluna que sustenta a base de toda a trama – como nenhum outro filme do Superman jamais fez – porque é agora apresentada não como o extinto planeta natal do alienígena que vive entre nós, e sim como um planeta vizinho que, a exemplo do nosso, possui política, ciência, religião, seres com mentes capazes de raciocinar e, por extensão, criar e destruir. Trata-se de um planeta muito mais velho que a terra. largamente melhor desenvolvido que a terra, mas com habitantes capazes de cometer erros tão primários que parecem ter saído diretamente daqui, fazendo o velho planeta não tão diferente do juvenil planeta em que vivemos. E é por isso que profetizo sem medo de parecer arrogante que o filme não teria toda a força se a sua primeira metade de hora (ou quase isso) não fosse centrada no fim das vidas de Jor-El, Lara e todos os habitantes de Kripton. Foi o fato de testemunharmos as escolhas dos Kriptonianos diante do caos que potencializou tudo o que estava por vir. Caos que se apresentado pelo meio do filme nas memórias de Jor-El no momento em que Kal-El – batizado Clark Kent pelos pais terrenos – encontrasse a Fortaleza da Solidão, perderia a força por servir a grande audiência como resposta para “De onde ele veio?” (resposta que todos conhecem), ignorando por completo “Como ele irá reagir? Por qual povo irá lutar?”, que é a proposta do filme.

Pulando para a terra. Os personagens terrenos se revelam mais leves, embora possuam tanto peso a narrativa quanto os habitantes do espaço. A jornada do casal Kent é a consumação do que se podia esperar, mas a narrativa que os expõem como gente é forte em inúmeros momentos e não permite ocultar as lágrimas onde a emoção da audiência é mais sincera ao longo de toda a obra. Realmente sincero, e bato nessa tecla porque sinceridade não é algo comum em filmes do gênero super heróis. Outra surpresa ainda no segmento personagens terrenos foi a Lois Lane de Amy Adams. Pela moldura que fere as lembranças do menino que amava As Aventuras do Superman (série exibida nos anos 90 em uma emissora Brasileira), foi um alívio perceber a entrega da atriz a personagem. É um pilar de grande relevância para o universo, e uma curva errada numa reta de acertos poderia sim render uma enorme derrapada futura quando outro rosto surgisse em cena para dar vida a mesma Lois Lane. Mas já ficou claro que, ao menos por talento ou carisma, não viveremos esse amargo.

Relevância por relevância, não há maior que a de Kal-El/Clark Kent. É o grande protagonista, e Henry Cavill mostrou estar ciente do fato ao puxar para si a responsabilidade de vivê-lo a sua maneira, jogando na tela um ser completo. Capaz de ir da insanidade a delicadeza em fração de segundos. Capaz de mergulhar profundo em sua fúria quando os seus são ameaçados. Seja Clark Kent, homem ciente de sua condição inumana, mas humano de coração. Seja Kal-El, que renasce ao descobrir todo o seu passado, pondo em conflito suas duas histórias quando descobre parte de seu propósito e toda sua história natal. Seja o Superman, que surge muito depois que o traje é vestido pela primeira vez, esse era o Superman que o mundo estava esperando.

Assuntos que se puxam, citar o surgimento do grande herói levou direto ao bom momento onde se percebe que, por mais que Kal-El já estivesse com o traje Kriptoniano desde a metade do filme, o Superman surge de fato pouco antes do fim da jornada, quando as duas verdades do nosso protagonista se tornam apenas uma assim que suas dúvidas deixam de existir e ele escolhe um lado pelo qual lutar, libertando-se de um fardo que jamais foi seu. E nesse momento há uma sequencia em paralelo que funciona com poesia encontrada na mulher presa sob vergalhões e concreto, que, somente com a ajuda de outros braços humanos, consegue se libertar dos escombros que a impediam de seguir em frente para, na cena seguinte, vermos nosso herói, agora com total apoio da nação se libertar das dúvidas quando escolhe um lado pelo qual lutar ao decidir que a vida deve sempre vir em primeiro lugar. Mesmo que para isso seja preciso condenar a última esperança de Kripton renascer.

Poderoso. Mas não se poderia esperar menos para o mais poderoso dos heróis.

General Zod. Um vilão com todos os requisitos para ser considerado vilão. Um personagem com camadas o suficiente para nos permitir compreender seus atos. Compreender, não aplaudir. Zod é quem movimenta o filme e faz a trama andar, e seu intérprete, Michael Shannon, lhe deu vida com tamanha intensidade que a sua veia militar é vista não apenas em sua postura rígida, mas a revela principalmente no olhar. E quando o personagem afirma não se chamar Zod, mas General Zod, esse mergulho profundo em sua mente facilita a compreensão de que não se trata de um homem de outro mundo na terra, mas de um combatente por natureza que não medirá esforços para fazer sua autoridade valer. Ao sair do cinema, fui direto no passado e me lembrei de todas as vezes em que estive prestes a assistir os filmes baseados em Hqs de 2007 para trás, e me vem a memória a expectativa pelos desafios com os quais o herói iria se defrontar. Mas essa expectativa era sempre frustrada por uma trama rasa, com personagens ainda mais rasos e, em alguns casos, interpretações medíocres. É bem verdade que Hollywood vem tratando com o merecido respeito os filmes baseados em HQ, mas filmes que possam ser considerados marcantes não são vistos todo dia por ai, e isso se deve muito aos vilões que dificilmente são levados a sério. Que dificilmente promovem um desafio verdadeiro e possuem motivos sinceros para fazer o que fazem. Ninguém, naturalmente, acreditou que o Superman iria cair diante do General Zod; mas ficou na mente o desconforto motivado pela incerteza do êxito ao final desta primeira parte. Somente um vilão que cumpriu com a sua função é capaz de inspirar tal sentimento.

A estrutura do filme se define em uma única palavra: brilhante e emocional. Sim, acabei por usar duas porque a maneira como as cenas se sobrepõem ultrapassam os limites do acerto, inclusive quando entram os flashes do passado. Recurso esse que sempre incomoda, é aqui um aditivo crucial a trama, e, ao unir as pontas soltas e revelar momentos de sincera emoção, fazem a audiência amá-los tanto quanto já ama a narrativa principal. Sinceros parabéns para a equipe de edição.

Por fim, quando os ânimos haviam se acalmado e faltavam poucos minutos para os créditos surgirem, o laço de ouro surgiu e surpreendeu. Foi a coragem de fazer de todo o filme um grande prólogo para estabelecer o Superman como personagem, estruturando sua origem numa base firme que servirá de alicerce a tudo o que está por vir, que trouxe uma esperança vivida no passado uma única vez com o belíssimo final de O Cavaleiro das Trevas.

E pensar que tudo começou com uma pequena semente que insistiu em nascer num solo que não a desejava. Por sorte Nolan plantou a sua semente e convidou Snyder para acompanhar seu crescimento, regando-a, fazendo desse filme uma carta de amor, e, me repito, um recado que Nolan e Snyder deixam para a grande audiência: Plante a sua Semente.

Porque a dele já está rendendo frutos.
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