É tudo aquilo que você conhece, mas como nunca imaginou.
É
aquela vontade sincera de colher frutas em seu quintal, com a
ressalva de que não há plantas frutíferas nele. Mas se você
realmente quiser experimentar o puro sabor da fruta, deve plantar a
semente. E não apenas plantá-la, mas, também, mantê-la protegida
de ameaças enquanto desabrocha. Você deve regá-la diariamente
enquanto é testemunha de seu crescimento. E quando ela estiver
erguida em seu quintal, gigante e bela, permita-se deslumbrar com o
esplendor que é a beleza de uma obra concluída, porque a sua
sonhada árvore está agora plantada em solo firme, pronta para lhe
dar os frutos que você sonhou um dia colher.
É o
recado que Nolan e Snyder deixam para a grande audiência: Plante
a sua Semente.
“Clark
Kent/Kal-El é um jornalista de vinte e poucos anos que se sente
alienado por poderes além da imaginação. Transportado de Krypton
(um planeta alienígena avançado) pata a Terra anos atrás, Clark se
pergunta Por que estou aqui?. Moldado pelos valores de seus
pais adotivos Martha (Diane Lane) e Jonathan Kent (Kevin Costner),
Clark logo que ter super-habilidades significa tomar decisões
extremamente difíceis. E quando o mundo é atacado, Clark deve se
tornar o herói conhecido como Superman, não só para brilhar
como o último raio de esperança, mas para proteger aqueles que
ama.”
Como a
flecha que acerta o centro do alvo, fazer de Kripton uma mitologia
foi o tiro perfeito e garantiu um diferencial ao gênero
cinematográfico por tratar os acontecimentos com cuidado, paixão e
sinceridade. Funcionando como um organismo independente, o planeta
oferece trunfos a narrativa que os roteiristas souberam explorar com
infalível habilidade. Em O Homem de Aço, Kripton deixou de ser um
universo desconhecido e se tornou a coluna que sustenta a base de
toda a trama – como nenhum outro filme do Superman jamais fez –
porque é agora apresentada não como o extinto planeta natal do
alienígena que vive entre nós, e sim como um planeta vizinho que, a
exemplo do nosso, possui política, ciência, religião, seres com
mentes capazes de raciocinar e, por extensão, criar e destruir.
Trata-se de um planeta muito mais velho que a terra. largamente
melhor desenvolvido que a terra, mas com habitantes capazes de
cometer erros tão primários que parecem ter saído diretamente
daqui, fazendo o velho planeta não tão diferente do juvenil planeta
em que vivemos. E é por isso que profetizo sem medo de parecer
arrogante que o filme não teria toda a força se a sua primeira
metade de hora (ou quase isso) não fosse centrada no fim das vidas
de Jor-El, Lara e todos os habitantes de Kripton. Foi o fato
de testemunharmos as escolhas dos Kriptonianos diante do caos que
potencializou tudo o que estava por vir. Caos que se apresentado pelo
meio do filme nas memórias de Jor-El no momento em que Kal-El –
batizado Clark Kent pelos pais terrenos – encontrasse a Fortaleza
da Solidão, perderia a força por servir a grande audiência como
resposta para “De onde ele veio?” (resposta que todos
conhecem), ignorando por completo “Como ele irá reagir?
Por qual povo irá lutar?”, que é a proposta do
filme.
Pulando
para a terra. Os personagens terrenos se revelam mais leves, embora
possuam tanto peso a narrativa quanto os habitantes do espaço. A
jornada do casal Kent é a consumação do que se podia esperar, mas
a narrativa que os expõem como gente é forte em inúmeros momentos
e não permite ocultar as lágrimas onde a emoção da audiência é
mais sincera ao longo de toda a obra. Realmente sincero, e bato nessa
tecla porque sinceridade não é algo comum em filmes do gênero
super heróis. Outra surpresa ainda no segmento personagens
terrenos foi a Lois Lane de Amy Adams. Pela moldura que fere as
lembranças do menino que amava As Aventuras do Superman (série
exibida nos anos 90 em uma emissora Brasileira), foi um alívio
perceber a entrega da atriz a personagem. É um pilar de grande
relevância para o universo, e uma curva errada numa reta de acertos
poderia sim render uma enorme derrapada futura quando outro rosto
surgisse em cena para dar vida a mesma Lois Lane. Mas já ficou claro
que, ao menos por talento ou carisma, não viveremos esse amargo.
Relevância
por relevância, não há maior que a de Kal-El/Clark Kent. É o
grande protagonista, e Henry Cavill mostrou estar ciente do fato ao
puxar para si a responsabilidade de vivê-lo a sua maneira, jogando
na tela um ser completo. Capaz de ir da insanidade a delicadeza em
fração de segundos. Capaz de mergulhar profundo em sua fúria
quando os seus são ameaçados. Seja Clark Kent, homem ciente de sua
condição inumana, mas humano de coração. Seja Kal-El, que renasce
ao descobrir todo o seu passado, pondo em conflito suas duas
histórias quando descobre parte de seu propósito e toda sua
história natal. Seja o Superman, que surge muito depois que o traje
é vestido pela primeira vez, esse era o Superman que o mundo estava
esperando.
Assuntos
que se puxam, citar o surgimento do grande herói levou direto ao bom
momento onde se percebe que, por mais que Kal-El já estivesse com o
traje Kriptoniano desde a metade do filme, o Superman surge de fato
pouco antes do fim da jornada, quando as duas verdades do nosso
protagonista se tornam apenas uma assim que suas dúvidas deixam de
existir e ele escolhe um lado pelo qual lutar, libertando-se de um
fardo que jamais foi seu. E nesse momento há uma sequencia em
paralelo que funciona com poesia encontrada na mulher presa sob
vergalhões e concreto, que, somente com a ajuda de outros braços
humanos, consegue se libertar dos escombros que a impediam de seguir
em frente para, na cena seguinte, vermos nosso herói, agora com
total apoio da nação se libertar das dúvidas quando escolhe um
lado pelo qual lutar ao decidir que a vida deve sempre vir em
primeiro lugar. Mesmo que para isso seja preciso condenar a última
esperança de Kripton renascer.
Poderoso. Mas não
se poderia esperar menos para o mais poderoso dos heróis.
General
Zod. Um vilão com todos os requisitos para ser considerado vilão.
Um personagem com camadas o suficiente para nos permitir compreender
seus atos. Compreender, não aplaudir. Zod é quem movimenta o filme
e faz a trama andar, e seu intérprete, Michael Shannon, lhe deu vida
com tamanha intensidade que a sua veia militar é vista não apenas
em sua postura rígida, mas a revela principalmente no olhar. E
quando o personagem afirma não se chamar Zod, mas General Zod, esse
mergulho profundo em sua mente facilita a compreensão de que não se
trata de um homem de outro mundo na terra, mas de um combatente por
natureza que não medirá esforços para fazer sua autoridade valer.
Ao sair do cinema, fui direto no passado e me lembrei de todas as
vezes em que estive prestes a assistir os filmes baseados em Hqs de
2007 para trás, e me vem a memória a expectativa pelos desafios com
os quais o herói iria se defrontar. Mas essa expectativa era sempre
frustrada por uma trama rasa, com personagens ainda mais rasos e, em
alguns casos, interpretações medíocres. É bem verdade que
Hollywood vem tratando com o merecido respeito os filmes baseados em
HQ, mas filmes que possam ser considerados marcantes não são vistos
todo dia por ai, e isso se deve muito aos vilões que dificilmente
são levados a sério. Que dificilmente promovem um desafio
verdadeiro e possuem motivos sinceros para fazer o que fazem.
Ninguém, naturalmente, acreditou que o Superman iria cair diante do
General Zod; mas ficou na mente o desconforto motivado pela incerteza
do êxito ao final desta primeira parte. Somente um vilão que
cumpriu com a sua função é capaz de inspirar tal sentimento.
A
estrutura do filme se define em uma única palavra: brilhante e
emocional. Sim, acabei por usar duas porque a maneira como as cenas
se sobrepõem ultrapassam os limites do acerto, inclusive quando
entram os flashes do passado. Recurso esse que sempre incomoda, é
aqui um aditivo crucial a trama, e, ao unir as pontas soltas e
revelar momentos de sincera emoção, fazem a audiência amá-los
tanto quanto já ama a narrativa principal. Sinceros parabéns para a
equipe de edição.
Por fim,
quando os ânimos haviam se acalmado e faltavam poucos minutos para
os créditos surgirem, o laço de ouro surgiu e surpreendeu. Foi a
coragem de fazer de todo o filme um grande prólogo para estabelecer
o Superman como personagem, estruturando sua origem numa base firme
que servirá de alicerce a tudo o que está por vir, que trouxe uma
esperança vivida no passado uma única vez com o belíssimo final de
O Cavaleiro das Trevas.
E pensar que tudo começou com uma pequena semente que insistiu em nascer num solo que não a desejava. Por sorte Nolan plantou a sua semente e convidou Snyder para acompanhar seu crescimento, regando-a, fazendo desse filme uma carta de amor, e, me repito, um
recado que Nolan e Snyder deixam para a grande audiência: Plante
a sua Semente.
Porque a dele já está rendendo frutos.